Blog do Lawrence | Criatura de outro mundo
A magia de trabalhar com filmes de natureza é que para buscar imagens fascinantes para o público, nos colocamos em situações que não poderíamos imaginar…
O nascer do sol é um momento especial e como estou fazendo uma série sobre o amanhecer na natureza, já o observei (contemplei e filmei) nas mais diversas paisagens: deserto, floresta, geleira, savana…
Porém na expedição a Ilha de Vancouver, no Canadá, resolvi radicalizar e “ver” o nascer do sol num local que me é muito familiar, mas onde até então só havia testemunhado um amanhecer: o fundo do mar!
Em 1996, fiz um documentário sobre mergulho noturno no Mar Vermelho e aceitei o desafio de fazer um mergulho do pôr até o nascer do sol, com apenas alguns breves intervalos pra me hidratar, alimentar e trocar de cilindro. Naquela noite passei mais de 8 horas no fundo do mar.
Dessa vez, o desafio foi menos intenso em carga horária, mas bem mais “desafiador”, pois ao invés das águas mornas e translucidas do Mar Vermelho, eu me propus a acompanhar o nascer do sol em águas com gélidos 7 graus de temperatura!
A única forma de sobreviver a longos mergulhos nessas condições é vestindo a chamada roupa seca, uma roupa especial que deixa o corpo absolutamente seco, com exceção de mãos e rosto. Aí usamos luvas e capuz grossos e vamos que vamos…
Saímos de barco na escuridão das 4h da manhã, nos equipamos e saltamos na água como em qualquer mergulho noturno. Meu objetivo nessa série é revelar a “troca de turnos” dos animais noturnos e diurnos.
No fundo do mar da Ilha de Vancouver meu interesse principal é um animal estranho, que povoa nosso imaginário: o Polvo Gigante do Oceano Pacifico.
Maior de todos os polvos, animais dessa espécie tem em média 15kg e 4,3m de diâmetro… mas há relatos de indivíduos com mais de 50kg.
Assim como todos os polvos, os gigantes vivem em tocas e tem hábitos de caça predominantemente noturnos.
Havíamos marcado um polvo em sua toca durante o dia e nosso plano era reencontra-lo à noite pra documenta-lo em ação.
Porém, assim que chegamos a toca me frustrei, pois o polvo já estava lá descansando. Eram 4h40 da manhã e ele deve ter tido êxito na sua caçada bem mais cedo. Alimentado, digeria na proteção de sua “casa”.
Continuei meu mergulho nadando lentamente, contemplando e filmando as silhuetas que começavam a se revelar no recife quando o movimento frenético da lanterna do meu guia Peter Meiras me chamou a atenção. Ele acabara de localizar outro polvo gigante !
Me aproximei do animal e pude filma-lo explorando o recife no amanhecer. Acompanhei-o por alguns minutos e ele, curioso com minha presença, usou seus tentáculos cheios de ventosas pra me “explorar”.
Fiquei parado e o polvo chegou a se enrolar no meu braço, até que finalmente se convenceu de que eu nem era uma ameaça nem algo comestível, então se desinteressou e entrou numa toca.
Depois de uma hora e quinze minutos no fundo do mar, o sol já era visível. Subi do mergulho radiante por ter conseguido as cenas do amanhecer no fundo do mar e do animal que buscava, mas uma dúvida martelava minha cabeça: Qual de nós dois, eu ou o polvo, voltou pra casa com a sensação que descobriu uma criatura de outro mundo?
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