Integridade não tem bandeiras
Integridade não tem bandeiras
Por Dr. Morongo
Como seria um mundo sem bandeiras e livre de dogmas, ideologias? Como seria o mundo se nós seres humanos exercitássemos verdadeiramente nossa liberdade fundamental com ética, integridade e responsabilidade? Essas são perguntas que tenho feito e refletido ao longo dos meus 71 anos de vida. Tenho acompanhado muitos processos de transformações políticas, sociais, econômicas, relacionais e a todo momento sou convidado a olhar a condição humana de forma realista. Olhar as coisas de forma realista é não estar condenado às visões extremas do pessimismo e otimismo. Entre os extremos há um universo de possibilidades e infinitas nuances como parte da experiência humana. É desenvolver habilidades de observar padrões existentes no comportamento humano e trabalhar com eles. É ter em cada ato a união entre a ação com intenção sobre aquilo que é feito, estabelecendo uma motivação de que tudo fique bem para todos. É agir com coragem, e ter autenticidade de resgatar o poder que nos é dado por natureza: o poder das escolhas.
Ao observar a experiência humana, reflito que quanto mais liberdade temos mais responsabilidades naturalmente nos é solicitada. Somos seres relacionais, e, portanto, fazemos parte de uma teia infinita de relações visíveis e invisíveis. Este ano foi um ano atípico, onde nos deparamos com muitos desafios em vários níveis. Quando reflito sobre o que está acontecendo conosco como humanidade, não posso deixar de observar que em nossa biografia já vivemos diversos períodos de “lockdown cultural”. De acordo com Franz Boas e Bronislaw Malinowski, podemos dizer que cultura abrange todas as manifestações de hábitos sociais de uma comunidade. Muitos foram esses momentos que nós como humanidade nos vimos restritos e controlados nas chamadas “A era das trevas”.
A vida como médico e empresário me trouxe ferramentas de observação da complexidade da mente e do comportamento humano. Tenho percebido que as coisas são cíclicas e, portanto, se repetem contendo novos personagens, novos atores, novos cenários, porém as mesmas estruturas e padrões repetitivos. Essa repetição nos convida a estarmos mais conscientes e atentos, para não sermos manipulados para certa direção apenas porque é para lá que todos estão indo. Precisamos resgatar nossa integridade e nosso poder de escolha e discernimento. Contudo, para isso, é essencial ter sabedoria e coragem. Tenho refletido de que as bandeiras ideológicas que carregamos acabam por tornar-se nossas próprias prisões. Hoje, muito mais do que há anos atrás, há infinitas bandeiras, dogmas e tudo deve ser conforme isso ou aquilo e ser politicamente correto, caso contrário, somos punidos. Há um mundo de espontaneidade que se rompe na medida em que eu deixo de me relacionar com o ser e passo a me relacionar com esses referenciais. Este ano foi um ano atípico para todos nós, onde nossa “lockidão” ficou exposta. Nós, como seres relacionais, que naturalmente somos, não pudemos exercitar nosso bem maior. Nossa liberdade foi tolhida, nossos recursos ficaram escassos, e o reflexo foi estresse, ansiedade e medo. Todos esses elementos nos fragilizaram como seres individuais e como humanidade. Nesse sentido, isso me faz lembrar dos livros de história que relatam um pouco sobre a Idade Média. Esse foi um período de profundo sofrimento, em que tínhamos pouca possibilidade sobre o exercício de nossa liberdade fundamental. Muitas das fraquezas humanas foram aproveitadas pela igreja Católica Romana implantando a Inquisição. Quem era contra a doutrina era taxado como herege. Caso fossem proprietários de bens ou valores que interessavam à igreja ou a autoridades ligadas a igreja, eram perseguidos e, caso não concordassem com os dogmas e não cedessem os seus bens eram queimados em fogueiras. Para escapar da Inquisição muitos fugiram para o “novo mundo”.
Será que teremos que “fugir para o novo mundo”? Que novo mundo seria esse? Ou será que teremos que descobrir que o novo mundo já está aqui, basta termos coragem de ver e vivê-lo?
Também trago a reflexão de que esse mesmo aproveitamento da sensibilidade e fragilidade humana, seja psicológica / social /econômica e etc, se repetiu após a derrota da Alemanha na Primeira Grande Guerra Mundial. Seres humanos deprimidos, humilhados, sofrendo tremenda crise econômica, são mais suscetíveis. Foi o caso dos alemães já fragilizados que foram facilmente manipulados por um líder esperto que usou dessa fragilidade para manipular as massas para seguir sua ideologia. Os padrões e as histórias se repetem. Os povos mais primitivos pilhavam em nome da sobrevivência e mais adiante esta barbárie foi praticada em nome da Glória, depois em nome do Império, depois em nome de Deus, depois em nome da Raça, e hoje, neste multiverso de informações e padrões, muitos rótulos são utilizados para a aplicação da mesma fórmula.
Após a inquisição tivemos o Iluminismo, após a Segunda Grande Guerra Mundial tivemos um espetacular crescimento científico e uma paz nunca vista na Europa.
Me parece que estamos constantemente buscando por um equilíbrio de forças dentro desse universo aparentemente dual. É como uma dança das polaridades onde se chocam, se tocam, se distanciam e se aproximam. Nesse universo complexo da experiência humana em que os padrões se repetem e hoje, as centenas de bandeiras são hasteadas, precisamos estar ligados para não sermos mais um em meio a massa de manobras. O novo mundo chegou, ele é o agora. Sempre que uma era de trevas surge, a luz contida na própria experiência se manifesta. O que será que nos espera depois desta “lockidão” (lockdown) turbinada pelo vírus corona? Os astros anunciam que teremos um belo período de Paz e Harmonia. Talvez esse seja o novo mundo despontando, mas isso depende de cada um de nós. Não sejamos massa de manobra e que possamos resgatar nossa liberdade fundamental. Integridade não tem bandeiras.